segunda-feira, 16 de abril de 2012

Colcha de Retalhos – Recortes da Mente

“Não é o que se pode chamar de uma história original, mas não importa: é a vida real"... 

 PARA LER OUVINDO:

Os últimos, quase, 27 anos fizeram de mim o que sou – o que eu era até alguns minutos atrás ou o que serei daqui a alguns segundos. Há anos, me encontro e perco-me por um caminho obscuro e arriscado, temendo todo e qualquer final. Medo grande mesmo, sabe?! Ou seria, “Medo dos Grandes”? – só sente aquele tipo de pessoa que passa a vida inteira querendo ser “o grande” por ser tão pequena. Enfim, é aquele tipo de medo que me faz deitar encolhido quase sob o chão. Diminuído, diminuindo, até reencontrar minha tenra e segura posição fetal.

Submerso, nessa rota de colisão, olho fixamente, com raiva e complacência para um abismo. Encaro mesmo, até que ele me perceba e, olhando no fundo dos meus olhos, saiba quem sou. E não é qualquer abismo, este é específico - diz respeito a mim, apenas – tem o meu nome.

Tenho a nítida impressão de que estou caminhando para uma espécie de queda. Uma queda tremenda. Mas, honestamente, não sei de que espécie. Talvez, da espécie que faz com que a gente, aos trinta ou aos quarenta - não é do segundo tempo. Falo de tempo de vida, idade, claro!, sente-se num bar e odeie todo mundo que entra com jeito de fanático por futebol. Ou, então, aquele tipo de queda em que, após conseguirmos nos instruirmos o bastante, odeie todo mundo que diz: “É um segredo entre mim e você”. Talvez, daquela que a gente acaba em alguma repartição pública, atirando clipes no colega mais próximo ou em algum veículo de imprensa vendido, travestido de isento, silenciado por empresários e governos corruptos. Se tudo tem um preço, todos pagam o preço...

Este abismo, específico, para o qual olho e sigo marchando a passos largos, oferece um tipo especial de queda, um tipo horrível. O homem que cai não consegue nem mesmo ouvir o baque do seu corpo no fundo. Apenas cai e cai e cai e cai...  A coisa toda se aplica aos homens que, assim como eu ou como meu amigo norte-americano Holden Caulfield – Ah, o Holden é um barato! É quase 10 anos mais moço do que eu e cretino que só. Rs. É 20 anos mais maduro que o pessoal da minha faixa etária e, entre as pessoas que conheço, 21 séculos mais evoluído, no duro. Vocês não podem morrer sem conhecê-lo. Mas como ia dizendo, as pessoas que sofrem este tipo de queda especialmente horrível é gente que, num momento ou noutro de suas vidas, procura alguma coisa que seu próprio meio não lhes pode proporcionar. Ou que pensavam que seu próprio meio poderia proporcionar. Por isso, abandonam a busca. Abandonam a busca antes mesmo de começá-la de verdade. Estão me entendendo?!

“A caracerística do homem imaturo é aspirar a morrer nobremente por uma causa, enquanto que a característica do homem maduro é querer viver humildemente por uma causa”.

Por estranho que pareça, este pensamento acima, não foi escrito por um poeta. Foi escrito por um psicanalista chamado Wilhelm Stekel.

Fico assustado, sabe?! Me vejo, com toda a clareza, morrendo nobremente, de uma forma ou de outra, por uma causa qualquer absolutamente indigna. Não sei se estou vivo ou o quanto já morri, é difícil mensuramos o quanto há de vida em nós ou quantas mortes ainda nos restam, não dá pra saber ou controlar como nos videogames, mas ainda me esforço para permanecer consciente. É extremamente difícil! Envolve atenção e disciplina. Requer muita força de vontade e empenho mental. Se vocês forem como eu, alguns dias não conseguirão permanecer conscientes, ou simplesmente não estarão a fim.

O que me conforta é descobrir que não sou a primeira pessoa a ter medo e ficar confusa e assustada, e até enojada diante do abismo. Sei que não estou de maneira nenhuma sozinho nesse terreno. Muitos homens, muitos mesmo, já enfrentaram os mesmos problemas morais e espirituais que enfrento nos últimos, quase, 27 anos. Felizmente, alguns deles guardaram registros de seus problemas. Quando quiser, posso aprender com eles. Da mesma forma que, algum dia, se eu tiver alguma coisa a oferecer, alguém irá aprender alguma coisa comigo. É um belo arranjo recíproco. E não é instrução. Além de história, é estória. É poesia.

Outro amigo meu, David Foster Wallace, também norte-americano – Ah, esses yankees! Em sua maioria, são medíocres, pragmáticos, sem criatividade e desinteressantes. Mas quando danam pra ser boa gente, são geniais! Nem parecem estadunidenses... Voltando ao David Gênio, ele deixou registros preciosos para pessoas como eu e o cretino do Holden.

 Um desses registros alerta:

“A única coisa verdadeira, com V maiúsculo, é que vocês precisam decidir conscientemente o que, na vida, tem significado e o que não tem.

Na trincheira do dia-a-dia, não há lugar para o ateísmo. Não existe algo como "não venerar". Todo mundo venera. A única opção que temos é decidir o que venerar. E o motivo para escolhermos algum tipo de Deus ou ente espiritual para venerar - seja Jesus Cristo, Alá ou Jeová, ou algum conjunto inviolável de princípios éticos - é que todo outro objeto de veneração te engolirá vivo. Quem venerar o dinheiro e extrair dos bens materiais o sentido de sua vida nunca achará que tem o suficiente. Aquele que venerar seu próprio corpo e beleza, e o fato de ser sexy, sempre se sentirá feio - e quando o tempo e a idade começarem a se manifestar, morrerá um milhão de mortes antes de ser efetivamente enterrado. Ao venerar o poder, você se sentirá fraco e amedrontado, e precisará de ainda mais poder sobre os outros para afastar o medo. Venerando o intelecto, sendo visto como inteligente, acabará se sentindo burro, um farsante na iminência de ser desmascarado. E assim por diante.

O mundo jamais desencorajará estes tipos de veneração, porque o mundo dos homens, do dinheiro e do poder segue sua marcha alimentado pelo medo, pelo desprezo e pela veneração que cada um faz de si mesmo. A nossa cultura consegue canalizar essas forças de modo a produzir riqueza, conforto e “liberdade” pessoal. Ela nos dá a liberdade de sermos senhores de minúsculos reinados individuais, do tamanho de nossas caveiras, onde reinamos sozinhos.

A verdade com V maiúsculo diz respeito à vida antes da morte. Diz respeito a chegar aos 30 anos, ou talvez aos 50, sem querer dar um tiro na própria cabeça. Diz respeito à consciência - consciência de que o real e o essencial estão escondidos na obviedade ao nosso redor”.

Contudo, no fim (já confessei, tenho muito medo dos finais!), algumas perguntas se tornam retóricas. Mas a obviedade da resposta é o silêncio que só se romperá através do tempo. Esta espera dificulta, um pouco, as coisas. Para casos como o meu, quase 10 anos mais velho do que o cretino do Holden, não se pode perder tempo.

Por vezes, ainda, em meu minúsculo reinado, acordo de madrugada e sinto uma solidão tremenda – Daquele tipo de solidão que sente uma criança num berço de ouro e a ferrugem ao seu redor. Mas, aí, me cubro com essa colcha de retalhos e tento sonhar...

É, acho que um dia desses vou ter que decidir para aonde quero ir e começar a ir para lá. Sem perder um minuto que seja...



 por João Vítor Ribeiro




Trechos & Citações & Alusões:

- A Liberdade De Ver Os Outros - David Foster Wallace
- O Apanhador No Campo De Centeio - J. D. Salinger
- Nunca Mais - Engenheiros do Hawaii